2007-09-30

Regaço

Dir-se-ia que hoje preciso de um regaço quente e solidário... Dir-se-ia, hoje também, que preciso de um leite quente para a alma. Dir-se-ia tudo isto e um mundo, se houvesse a quem dizê-lo, a quem partilhá-lo...

Há uma insensatez grande no momento que me dá vontade de refugiar deste mundo, ocultar-me numa toca esquecida e ter a habilidade de me esquecer...

...

Os estados d'alma modificam-se... ainda balanço entre o querer-te bem e a indiferença...

"Adeus"

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade

Passado

É passado o que me fizeste sentir. Deste-me esperança, fizeste-me acreditar que era possível ser feliz contigo, que abandonar o meu mundo para abraçar exclusivamente o teu era importante, porque nunca antes te dera isso e quis ser eu a fazê-lo, em abnegação total de quem sou, do que preciso e do que sinto. Mudei de mim e entrei num corpo novo ao qual tive que me adaptar. Deixaste de me dar a mão e senti o abandono.

Hoje, sem ti, nada tenho, nada sou. Dei tudo para perder tudo. Quero ir embora e nem sei como, se nem tenho para onde ir. Mergulho no trabalho que é teu e assumi como meu, que fiz crescer e que agora quero abandonar, porque estás em todo o lado e não suporto ver-te em todas as esquinas, em todos os centímetros.

Fora daqui não há segurança, terá que existir a honestidade de assumir a derrota perante todos, sentir novamente a compaixão, as dúvidas sobre o meu futuro e as eternas questões sobre as minhas decisões. Não sei como aguentá-lo, não consigo suportar isto, esta dificuldade de viver, esta densidade de sentimentos maus.

E parece que te vejo dizer que mais uma vez exagero, como se para ti todos os outros não passem de falhanços. Perdes-te no egoísmo, conta as pessoas que já passaram pela tua vida e reflecte. Talvez te assustes com a realidade.

# 1

Precisamos urgentemente de morrer, de nos exterminarmos, numa purgação de sentidos e sentimentos, para que possamos largar o passado numa prateleira e seguirmos em frente, firmes, na busca de novos sentidos para os passos na calçada irregular da vida.


O principal é entendermos o mal-estar, percebermos e darmos nome a essa sensação de incómodo que o tempo de encarrega de fazer crescer. Depois disso, de assistirmos ao desmoronar da crença, há que enterrar os olhos na linha do horizonte e seguir sempre em frente, sem medos, sem vacilações. Partir.


Falam do amor como se fosse o elixir eterno, a derradeira salvação, mas nada mais é do que uma angústia, uma dependência insana que nos come a alma, nos arranca o que é nosso e devolve o que não sabemos se queremos.


Fizeste-me perder a fé no amor. Que te baste enquanto praga saber que me destruíste. Parabéns. Mais uma vez provaste ser mais forte. Arrecado do campo de batalha uma mágoa imensa, uma ferida imposível de sarar. Desisto de acreditar. Fizeste-me igual a ti e odeio-te por isso.